De peão a mestre I
Tudo foi apenas um sonho
Já alfabetizado, fui estudar numa escola particular na avenida Pedro Calazans, o Educandário Alfredo Montes de Tia Isabel, nessa oportunidade, já não morava com meus avós, agora era eu e meu pai na Rua São Francisco na Baixa Fria, um local deserto, com poucos moradores, sem energia. Pela manhã, ia para escola e a tarde para não ficar sozinho, ia como meu pai para as obras (ele era pedreiro) onde ele trabalhava, onde eu tentava fazer os deveres de casa quando sabia fazer, quase sempre nunca chegava com os deveres completos, e na maioria das vezes meus cadernos estavam sempre sujos de barro, argamassa, em função do local onde eu me encontrava. Após tentar fazer os deveres, ia ser o servente do meu pai, como chamava na época "servente de pedreiro" hoje chamado peão de obra. Um dia Tia Isabel perguntou, porque os meus cadernos estavam sempre sujos e os meus deveres nunca viam resolvidos, respondi que meu pai não sabia ensinar os deveres e que eu geralmente fazia os deveres na obra, onde ele trabalhava. Vendo o grande esforço que eu tinha para estudar, a tia Isabel, que era a dona da escola, mim convidou para estudar também à tarde, "fazer banca", ou seja, agora eu tinha a oportunidade de fazer todos os meus deveres e não sujar os meus cadernos e livros. E foi assim que terminei o meu primário. Nessa época pouca são as lembranças boas, era muito maltratado por meu pai, que mim batia por qualquer coisa, foi até preso uma fez, por ter mim espancado com um pedaço de madeira, era a forma de educar que ele conhecia. O tempo passou e nada da minha mãe voltar, como prometeu. Eu agora já era adolescente, ia fazer o exame de admissão para começar a fazer o curso ginasial.
Naquela época os exames de admissão eram muito concorridos e a pessoa escolhia o colégio mais próximo da sua residência para estudar e os primeiros colocados ganhavam uma bolsa integral, caso a escola escolhida fosse particular. Passei entre os primeiros e escolhi então o Colégio Salesiano, escola particular, religiosa, que na época só recebia meninos, tinha o internato e o semi-internato e era uma das melhores escolas. Ali comecei a praticar esportes, preferencialmente o futebol, tive também a oportunidade de estudar em dois turnos, manhã e tarde, por benevolência do diretor o Padre Manuel Nazareno, que ao saber que eu não tinha apoio em casa para fazer os deveres, ou pior nas obras onde meu pai trabalhava de pedreiro e onde geralmente eu ia, quando terminava as minhas aulas do período da manhã. O diretor do colégio percebendo do meu rendimento ruim, me convidou para estudar no horário da tarde, algumas vezes eu nem ia para casa, almoçava no colégio, fazia meus deveres orientados pelos os professores, depois ia fazer algumas atividades, arrumar a sacristia, limpar o refeitório e depois ia jogar ping pong ou futebol, só no final de tarde, voltava para casa. Foram os melhores momentos da minha vida. Eu era feliz e não sabia. Mais nem tudo que é bom, dura para sempre. Na terceira série, fiquei doente, pedir as provas e conseqüentemente pedir o ano e a bolsa de estudo. Meu pai, ao invés de pedir a minha transferência para uma escola pública, já que ele como pedreiro, não ganhava o suficiente para pagar uma escola particular, resolveu me manter no Colégio Salesiano. Repetir a terceira série e ele não conseguiu pagar uma mensalidade, acumulando uma dívida enorme, que teve como conseqüência, não fazer as provas de final de ano, porque estava devendo. Mais um ano perdido. E todos os sonhos frustrados. Por que agora, começava uma nova luta, pagar a dívida, para receber a transferência, ingressar em uma escola pública e voltar a estudar, terminar o ginasial. Anos se passaram e meu pai como pedreiro e eu como servente, "peão de obra", nem sempre tínhamos trabalho fixo, para ganhar o suficiente para pagar a dívida, para eu poder voltar estudar. Eu precisava aprender uma profissão para ganhar um pouco mais, e ir em busca do meu sonho, voltar a estudar, foi assim que vendo as pessoas trabalharem aprendi a profissão de "armador", não tem nada haver com construir navios. Continuava como peão de obra, fazia as ferragens para vigas, colunas e lages, o chamado concreto aramado, para construção civil. Apesar da pouca idade, já mim destacava na profissão, era muito requisitado, trabalho não faltava, dava para quardar algum para em determinado momento puder pagar a dívida do colégio e pegar a minha transferência e voltar a estudar. Mais continuava sendo peão de obra, apesar de não ser servente de pedreiro.